[Estadão] Mastectomia de Angelina Jolie levanta debate sobre cirurgia para evitar câncer
Com custo de R$ 6 mil, exame para detecção de mutações e prevenção da doença ainda não é oferecido pela rede pública brasileira
A revelação feita na terça-feira, 14, pela atriz americana Angelina Jolie de que fez uma dupla mastectomia para reduzir as chances de ter câncer de mama desencadeou um debate no Brasil sobre a realização de testes genéticos para a detecção de mutações que podem aumentar o risco da doença. Com custo avaliado em R$ 6 mil, o exame ainda não é ofertado pela rede pública de saúde.
Jolie, de 37 anos, contou em artigo publicado no jornal The New York Times que decidiu fazer a cirurgia preventiva ao descobrir que era portadora de mutação no gene BRCA1, que aumenta o risco para câncer de mama e de ovário. A decisão foi reforçada por seu histórico familiar. Sua mãe, Marcheline Bertrand, morreu de câncer de ovário, em 2007, aos 56 anos.
No texto, a atriz revela ainda que seus seis filhos – três adotados – perguntavam se o mesmo (morte precoce por câncer) poderia acontecer com ela. A pergunta foi levada ao consultório e a resposta foi decisiva: médicos calcularam que Jolie tinha 87% de risco para câncer de mama e 50% para de ovário. O risco varia de mulher para mulher.
Estudos mostram que o câncer de origem genética não é raro. “No caso do câncer de mama, a taxa é de cerca de 10% e as mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 respondem por cerca 70% de todos os casos hereditários de câncer de mama e ovário”, afirma Maria Isabel Achatz, diretora de Oncogenética do A.C. Camargo Cancer Center (novo nome do Hospital A.C. Camargo).
Com a mutação, o risco de desenvolver câncer de mama ao longo da vida pode variar de 40% a 90%, explica Carlos Alberto Ruiz, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia. Na população em geral, esse índice fica em torno de 5%.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, diante do diagnóstico de mutação genética, a maioria das mulheres opta por retirar as mamas. “Elas programam essa decisão e geralmente se submetem ao procedimento depois de amamentar seus filhos”, afirma Marcelo Sampaio, cirurgião plástico do Hospital Sírio-Libanês.
Isso ocorre porque a cirurgia preventiva não é um procedimento de urgência. “Não é uma decisão fácil. Primeiro porque não significa uma cura. E, depois, porque há efeitos colaterais, então é preciso fazer avaliações de longo prazo. A mama fica fria, perde o tato. Muitas mulheres se queixam de insatisfação sexual”, afirma Ruiz. O mastologista ainda ressalta que a reconstrução não restabelece a sensibilidade, somente a estética. A mulher não tem mais como amamentar, então é preferível que seja após a prole já estar constituída”, complementa.
Apesar disso, pondera Maria Isabel, o método deve ser encarado como opção porque é o único que vai reduzir em até 95% a probabilidade para o desenvolvimento do câncer em portadores da mutação.
Exame. O teste genético que identifica o maior risco de desenvolver a doença está, aos poucos, se popularizando no Brasil, mas só em pacientes que podem arcar com os custos de uma clínica particular. Há dois anos, o Departamento de Aconselhamento Genético do Sírio-Libanês, por exemplo, realizava cerca de três a cinco testes por mês. Hoje, são oito a dez por semana.
Coordenador do departamento, Bernardo Garicochea diz que a revelação da atriz deve fazer a procura pelo procedimento aumentar. “Hoje, esse tipo de exame pode diagnosticar o risco de desenvolver não apenas câncer, mas outras doenças, como lúpus.”
O resultado positivo do teste, porém, apenas sugere o procedimento cirúrgico. Há mais opções. “Uma saída é fazer um acompanhamento mais frequente, com exames de seis em seis meses que permitirão o diagnóstico precoce de tumores, como a mamografia e a ressonância magnética”, afirma Maria Isabel Achatz.
Menopausa. Mulheres com mutação genética podem ainda escolher tomar um bloqueador hormonal como forma de prevenção. “A medicação reduz em cerca de 20% o risco de a paciente ter a doença”, diz o mastologista Antonio Luiz Frasson, do Hospital Albert Einstein. Mas há efeitos colaterais. Quem toma adianta a menopausa.
E há outros fatores a serem levados em consideração. Maria Isabel Achatz ressalta, por exemplo, que a orientação das sociedades médicas americanas, que servem como guia no Brasil, é que, em primeiro lugar, sejam retirados ovários e trompas. “Ao contrário das mamas, os ovários são mais difíceis de acompanhar por exame médico. E sua retirada já reduz em 50% o risco de câncer de mama. A mastectomia, por sua vez, não reduz o risco nos ovários.”
Adriana Ferraz, Giovana Girardi, Lúcia Guimarães – O Estado de S.Paulo – 15 Maio 2013 | 02h 00
Original publicado em: Reportagem ESTADÃO